sexta-feira, 1 de maio de 2015

OTIMO TEXTO da Carol Daemon: "Eu queria trabalhar com sustentabilidade"

Do blog da própria. Ótimo texto!



Carol Daemon: "Eu queria trabalhar com sustentabilidade":



"Eu queria trabalhar com sustentabilidade"

Essa é a frase que eu mais escuto.

Outro mito, acreditar que existam empregos exclusivamente "verdes".

Aliás, o que é um emprego verde?

Catador de papelão, coletor de latinha de alumínio, produtor orgânico, restaurador de móveis antigos, dono de sebo-brechó, cuidador de abrigo de cães, artesão de panela de barro...

Desanimou, né?





Recebi o email abaixo há algumas semanas e compartilho com vocês:



"Oi,

Te procurei porque gosto muito do seu blog, acompanho sempre e acho que você pode me ajudar com algumas questões. Sou formada em Relações Internacionais e trabalho com comércio exterior em uma grande empresa global de mineração há quase 3 anos. No entanto, como sempre quis trabalhar na área de Responsabilidade Social / Sustentabilidade decidi mudar de carreira e estou buscando me especializar nisso, portanto, queria saber se você conhece/indica o MBE de Economia e Gestão da Sustentabilidade da UFRJ ou o Gestão da Responsabilidade Social Corporativa da UFF.

Minhas questões seguem abaixo:

Vi que você se formou em Engenharia Ambiental, mas não sei se tenho forças agora pra começar outra faculdade.

Como foi essa experiência pra você?

Você indica algum curso de extensão além destes dois que citei?

Quais são as empresas que você indicaria pra aplicar para emprego nessa área?



Estou um pouco perdida, pois tenho muito interesse nessa área de atuação, mas não tenho experiência formal e nem formação nisso, além de trabalhos voluntários desenvolvidos em comunidades carentes e outros projetos e muita leitura sobre o assunto. Penso que não será muito fácil conseguir uma oportunidade de trabalho nesse momento, por isso quero me especializar no assunto. Bom, qualquer dica será de grande ajuda. Aguardo seu contato e agradeço desde já.



Bjs"





A minha resposta:



"Oi,

na verdade, não sou Engenheira Ambiental. Sou Técnica em Segurança no Trabalho, certificada pela Bureau Veritas, CREA, ICN, Senai, IBP, FunCEFET... e mais alguns certificados cabíveis à área, que me levaram a Supervisora (de QSMS) em plataforma de petróleo.



Como coloquei no (perfil do) blog, sou graduanda em Engenharia. Fiz vestibular aos 34 anos, passei em primeiro lugar e hoje, aos 35, consegui cortar muitas matérias de minha antiga formação como Economista (nunca me formei), o que está reduzindo meu curso.



Ainda, larguei a carreira de Economista aos 26 anos para trabalhar com o que gostava, fotografia. Não deu certo, mas me mostrou que eu não seria feliz atrás de uma mesa e computador. Fui fazer escola técnica aos 31 anos para poder embarcar em plataforma, outra paixão.



Comecei a sentir falta do superior na área e aí, fiz esse vestibular há 1 ano. As coisas estão indo, não é fácil, mas 8hrs por dia no escritório é mais difícil para mim.



Eu, Carolina, não faria pós. Acho perda de tempo, mesmo na Coppe, USP, Unicamp e afins. Principalmente para quem já é mais velho e quer mudar radicalmente de área. Ir à campo, lecionar, etc...



Deixo a minha sugestão que pode até ser uma meta minha a longo prazo: faça um mestrado no exterior, se gosta de agroecologia, escreva aos caras da permacultura e veja onde é o maior pólo do planeta. Assine newsletters de tudo quanto é grupo do yahoo que discuta o assunto. Vá para lá como bolsita, dê um jeito. Se teu negócio é energia eólica, estude alemão até ser aceita por uma universidade de lá, eles são os líderes... E por aí, vai.... De qualquer maneira, o British Council no país todo tem um programa de mestrado na Inglaterra com bolsas auxílio excelentes.



Pós é perda de tempo na maioria dos casos, virou comércio e eu sinceramente, não acredito que 1 ano de aula aos sábados transforme ninguém. Você vai continuar distribuindo o mesmo currículo às mesmas empresas para os mesmos projetos, só vai ter o famoso "plus a mais". Mas é só a minha opinião, que sempre fui autodidata e, sem diploma nenhum, trabalhei nas maiores empresas do mundo.



Honestamente, você se sente motivada a ser especialista em Gestão Sustentável? Aliás, o que é isso? Deve ser uma turma multidisciplinar com engenheiro, advogado, administrador e ate médicos, discutindo banalidades que saem na coluna "verde" da (revista) Exame e do (jornal) Valor Econômico ao custo de um carro zero... Tô fora!



Não sei se tem marido, filhos, amores, financiamento na Caixa, etc... Eu (Carolina), quando quero uma coisa, largo tudo e vou atrás.

O único segredo do sucesso é não ter plano B.



Bjs e boa sorte"





Ela adorou, graças à Deus, fiquei preocupada em ter errado a mão e mexido com os brios da moça.











Então, você quer trabalhar com sustentabilidade.

É chique, engajado, pega bem e está pagando melhor do que freela.

O fato de você chegar a Gerente ou até Diretor de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) de qualquer empresa, mesmo a maior, não significa que trabalhe com sustentabilidade.

Significa sim que vai assinar relatórios intermináveis onde se menciona vagamente as boas práticas ambientais adotadas, quase um clipping para a imprensa.

Só que você conhece um cara que fez Arquitetura e hoje distribui cartões com sua especialização "Bioarquiteto". Eu adoro bioconstrução, na verdade, das 10 postagens mais populares daqui, 2 são exclusivamente sobre bioconstrução, ambas da série "A casa sustentável é mais barata".

Mas sejamos realistas, das obras que seu conhecido Bioarquiteto tem que pegar para sobreviver, em quantas ele realmente usa pelo menos uma ecotinta?



Claro que já existem construções inteiramente certificadas, onde há uma preocupação real em impactar o mínimo possível. E espero que, com o tempo, o Código Nacional da Construção Civil torne obrigatórias essas normas e padrões para qualquer edificação, por uma questão de sobrevivência da espécie.

Contudo, quantas construções certificadas você já visitou?

Será que não seria mais interessante reciclar as construções já existentes no lugar de colocar tudo abaixo para construir "verde", consumindo mais matéria-prima, energia e água?



Vou um pouco mais longe, o fato do banco campeão de reclamações no PROCON e processos judiciais construir suas sedes aplicando técnicas de reúso de água e aproveitamento de energia solar é sustentável ou só greenwashing?

Será que essa mesma instituição financeira não contou com isenção fiscal no final das contas e a placa solar é só uma "maquiadazinha" sugerida pelo pessoal de Relações Públicas?

As pessoas mais envolvidas com bioconstrução que conheço são os amigos da Sociedade do Sol, que ensinam a fazer placas de energia solar a R$35,00 cada placa capaz de aquecer 100lt. diários de água. O inventor do aquecedor solar de baixo custo não patenteou sua invenção para que um maior número de pessoas pudesse ser beneficiado.

Eu fiz uma dessas placas em 1 único dia e descrevo essa experiência revolucionária na postagem "A casa sustentável é mais barata - parte 15 (aquecedor solar de baixo custo a R$35,00)".



Como trabalhei na área de petróleo, embarcada, e escrevi recentemente sobre a experiência na postagem "Para entender o vazamento da Chevron", vou falar um pouco da minha área:

A maior empresa do país é de petróleo e gás, todo mundo quer trabalhar nela e, não por um acaso, a empresa é a grande referência nacional em sustentabilidade.

O que é mais sustentável, uma mega empresa de petróleo ou a pequena empresa, que recolhe banners de outdoors para transformar em bolsas confeccionadas por presidiários (que saem do presídio após cumprir a pena, qualificados como costureiros), como a já citada aqui "Tem quem queira"?



Quando as pessoas entram nesse blog, acham que eu sou gestora de algum projeto sofisticado. Não sou, nem tenho o menor interesse em vir a ser. Tudo o que eu sei, foi aprendido em campo, debaixo de sol e chuva, ouvindo histórias de peão, marinheiro, mecânico e outras profissões menos valorizadas.

Na verdade, foi numa plataforma que vi como funciona uma dessalinizadora de água, a mesma que a gente bebia e usava para tomar banho (plataforma não tem água doce). Foi lá que eu vi como se separa água de óleo e principalmente, como o petróleo é extraído.

No meu primeiro embarque, fui obrigada a assistir a uma longa e enfadonha palestra proferida por um Biólogo. O mesmo defendia que a operação era 100% sustentável do ponto de vista ambiental, nos garantiu que não havia interferência na biota marinha.

Seis meses depois e alguns embarques mais íntima dos plataformistas (a peãozada), sentei para conversar sobre nossas vidas pessoais com um grupo de peões evangélicos muito respeitadores e bons maridos (mulher sozinha não pode bobear num lugar desses). Conversa vai, conversa vem e a verdade saiu: "Eu era pescador, sempre morei em vila de pescador. Meu pai pescava também e me ensinou tudo. Agora ninguém pesca mais, esses cabos que a gente arrasta, são carregados eletricamente e eletrocutaram os cardumes."

Ainda contrargumentei "Mas o Biólogo responsável não garantiu que não interferia?"

A resposta do pescador de 5 gerações valeu por toda uma faculdade de Biologia "Esse garoto não conhece o mar, a vista dele acaba na praia."



Na postagem "Os perigos do plástico para nossa vida", lembro que há alguns anos, trabalhei em projeto de Telecom e, conversando com os técnicos de campo, todos comentaram que a instalação de antenas de telefonia celular no topo de prédios não impactava na saúde das pessoas e eu mesma cheguei a ver pessoalmente que o amperímetro realmente marcava negativo um andar abaixo.

Ao longo do projeto e ganhando a confiança daquelas pessoas, todos confidenciaram ser pais de meninas, havia inclusive uma "lenda" no meio de que técnicos de Telecom "não sabiam fazer meninos".

O sexo de um bebê é definido pelo pai, que produz espermatozóides machos e fêmeas, e os espermatozóides machos, apesar de mais rápidos, são menos resistentes e consequentemente mais sensíveis à fatores externos. Trabalhar em campo, instalando antenas de telefonia celular, estava esterilizando os trabalhadores a longo prazo.

Toda aquela exposição, ainda que baixa, talvez tenha impactado na saúde dos trabalhadores.



Na postagem "Um país em obras", menciono que sou filha de arquiteto e que cresci vendo meu entorno ser modificado - morei em 17 lugares e nessas idas e vindas, vi um bairro se formar. Comento também que defendi a tese de fim de curso na Escola Técnica (em Segurança no Trabalho) num canteiro de obras. Visitei o canteiro da tal obra várias vezes, até para fotografar tudo e poder escrever à respeito. Com todo respeito, mas o único que realmente sabia o que estava acontecendo ali era o mestre de obras. A monografia foi dedicada à ele, que morreu acidentalmente antes da apresentação.

O Técnico em Segurança responsável também era bem informado (e muito safo), mas os 2 Engenheiros recém formados não tinham a mais vaga ideia do que se passava.

E a peãozada sabia de tudo, é claro. Sabiam até demais, para desespero dos 2 Engenheiros diga-se de passagem.



Assim como o pouco que eu conheço das madeiras brasileiras, algumas extintas, me foi ensinado por um marceneiro num galpão empoeirado. Como eu só comprei móveis antigos de madeira de lei em todas as minhas casas, precisava reformá-los, já que não os comprava restaurados (mais caros). Foram tantas reformas, que no final, já ligava para ele e dizia o que queria sem nem precisar mostrar. A gente começou a falar a mesma língua, a língua de quem mete a mão na serra, na lixadeira e no verniz. E ele entende muito de estilo, me dizia na maior naturalidade "uma aparadeira art decó fica melhor mais escura".



Recentemente, estive no Brejal, pólo agrícola do RJ onde está a maioria dos produtores orgânicos das feiras que frequento. Um dos produtores, S. Néia, atua no "negócio" há mais de 20 anos e seu caminhão é alugado. Sim, o caminhão usado para trazer seus produtos para vender na feira.

S. Néia, como a maioria de seus pares, ainda não conseguiu fazer um pé de meia para comprar seu próprio caminhão. Eu não conheço ninguém que trabalhe mais diretamente com sustentabilidade do que essas pessoas. Para ver as fotos da viagem, vá na postagem "Você já foi ao Brejal? Então vá!"



Antonio Donato Nobre, um dos maiores especialistas do país em climatologia, pesquisador do INPA, lembra que estudou uma vida inteira para entender a relação árvore x chuva. Um dia, na floresta, um índio disse exatamente o mesmo a ele "sem árvore não tem chuva", quando indagado sobre como sabia disso, a resposta foi surpreendente "o espírito da floresta me contou".

Para assistir toda a palestra dele, acesse o vídeo na postagem "Antonio Donato Nobre mostra que existe um rio acima de nós".



Em outra postagem, "Arte na carroça do catador de lixo", o artista que criou o projeto (considerado pela Veja como uma das 50 melhores coisas de SP), deixa algumas mensagens incômodas nas mesmas carroças, como por exemplo:

"Meu trabalho é honesto, e o seu?";

"Meu carro polui menos do que o seu." e a melhor de todas:

"Faço mais pelo meio ambiente do que o ministro."





Não existe emprego "verde". Existem empregos, bons ou ruins, depende do empregado, empregador e claro, da necessidade de ambos.

Sonia Orselli, blogueira amiga, seguia o meu blog quietinha. Leu a postagem "mel de abelhas x melado de cana" e, por ser saboneteira profissional, resolveu tentar "Quem sabe melado de cana não substitui o mel que eu uso nos meus sabonetes caseiros?".

Serviu e ela então deixou uma primeira mensagem justamente comentando seu feito, estava feliz, mandou sabonetes de presente quando o blog fez 2 anos. Maravilhosos obviamente.



Quando da venda do livro "Festa Vegetariana", impresso em papel reciclado (ponto para a SVB, que sempre trabalhou com sustentabilidade, antes mesmo de existir uma palavra para isso), uma leitora veio aqui em casa buscar seus exemplares.

Sentou numa cadeira com olhar baixo, murchinha e soltou a frase padrão "Eu queria trabalhar com sustentabilidade".

Perguntei o que ela fazia e a resposta foi igualmente padrão "Em ONG, faço pós em Gestão Ambiental".



ONGs. Todo mundo quer trabalhar no terceiro setor.

No terceiro setor e preferencialmente com sustentabilidade, é claro.

Que tal montar uma cooperativa de coletores de óleo de cozinha para fabricação de sabão biodegradável lá no terreno baldio do seu bairro?

Este é um ótimo exemplo de ONG voltada para a sustentabilidade: reciclagem e empregabilidade do exército reserva de mão de obra subqualificado. Mas não tem glamour algum, apesar de trazer mais resultados a curto, médio e longo prazo do que muitos projetos sociais.



Sobre as polêmicas ONGs, que andam queimadas após os incidentes nos Ministérios dos Esportes e Turismo, será que nós precisamos assim de tantas? O que aconteceu com a iniciativa que movia um simples grupo de pessoas a se reunir pelo bem comum?



Para encerrar, a mesma leitora do "Festa", que faz a pós em Gestão Ambiental e trabalha em ONG, me perguntou o que eu fazia para ser sustentável e eu respondi o mais sinceramente possível:

"Só compro móveis de segunda mão, como essa cadeira onde está sentada, minha roupa é de brechó, meu sapato de couro vegetal, minha comida preferencialmente orgânica. Os livros da estante foram comprados em sebo, eu nunca tive carro e, por gostar de cães, adotei e castrei os meus. Lá na área de serviço, a água é reutilizada e o lixo reciclado. Os produtos de higiene e limpeza são biodegradáveis... Eu faço tudo o que escrevo no blog, só isso."

Ela não sabia que existiam sapatos de couro vegetal no Brasil e se lamentou por orgânicos serem mais caros. Sugeri ler as postagens "Orgânicos podem ser mais baratos" e "Artigos de couro vegetal em lojas convencionais" e me despedi.



Semanas depois, recebi um email dela dizendo que no trabalho (a ONG) passavam por um aperto, já que não sabiam onde encontrar cooperativas de reciclagem na cidade. Não respondi, achei demais.







E por que uma foto do Eike Batista?

Ora, porque ele foi eleito o homem do ano em Sustentabilidade de 2010.

E a gente ainda vai acabar freguês da energia solar "dele", já que o mesmo acabou de firmar uma parceria com a GE na construção de uma usina solar comercial.







Parafraseando Sonia Hirsh, jornalista de formação, que mudou a maneira de 2 gerações de brasileiros comer e agora, traz luz à candidíase antes de qualquer médico: a sustentabilidade é subversiva porque não dá lucro à ninguém.







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