sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

MP pede suspensão do licenciamento de portos em Itaituba (PA)


Para o MP, as licenças são competência do Ibama e devem considerar sobreposição de impactos das diversas obras previstas para o sudoeste paraense
MP pede suspensão do licenciamento de portos em Itaituba (PA)
Estação de Transbordo em Miritituba (PA)/ Foto: Heryka Cilaberry em Wikimedia Commons
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) pediram à Justiça a suspensão urgente do licenciamento ambiental de três portos no distrito de Miritituba, em Itaituba, no sudoeste paraense. O Ministério Público defende que o licenciamento seja federal, e não estadual, e apresente avaliações ambientais que levem em conta todos os megaempreendimentos previstos para a região.

A ação foi encaminhada para a Justiça Federal em Itaituba nesta segunda-feira, 15 de fevereiro. O Ministério Público pede a suspensão do licenciamento das Estações de Transbordo de Cargas (ETCs, espécie de portos simplificados) Miritituba, de interesse da empresa Rio Turia Serviços Logísticos Ltda, HBSA Tapajós, da Hidrovias do Brasil – Miritituba S.A., e Itaituba, de interesse da empresa Cianport – Cia de Navegação Ltda.

Além das empresas responsáveis pelos projetos dos portos, a ação foi ajuizada contra o Estado do Pará, a União, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Caso a Justiça acate o pedido do Ministério Público, e a decisão seja descumprida, a ação pede a aplicação de multa diária de R$ 100 mil.

Impactos desconsiderados – A região sudoeste do Pará é considerada por empresas públicas e privadas da área de infraestrutura uma importante rota de exportação de produtos minerais e agrícolas, especialmente a soja cultivada no Centro-Oeste do país. Por isso, para a região estão previstas uma série de ETCs, uma hidrovia, uma ferrovia e um complexo hidrelétrico (estudos indicam que há mais de 40 barragens previstas para a bacia do Tapajós). No entanto, cada projeto está sendo licenciado isoladamente, por diferentes órgãos ambientais, sem considerar a soma e interação dos impactos desse conjunto de megaobras.

“A análise fragmentada ou parcial destes aspectos que constituem o bem ambiental desvirtua a natureza do instrumento, viciando o processo de licenciamento e tolhendo a sociedade do direito/dever de proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado”, critica a ação, assinada pelos promotores de Justiça Daliana Monique Souza Viana, Ione Missae da Silva Nakamura, Lílian Regina Furtado Braga e Rafael Trevisan Dal Bem e pela procuradora da República Janaina Andrade de Sousa.

O Ministério Público destaca que somente com avaliações ambientais integradas e estratégicas é possível a sociedade ter respostas a perguntas como: qual a relação custo/beneficio socioambiental do desenvolvimento portuário, ferroviário, hidroviário e hidrelétrico da região? Qual será o resultado desse desenvolvimento em longo prazo? E, principalmente: o que pode ser feito para que o resultado desse desenvolvimento seja melhor, em termos socioambientais?

Interesse da União – No caso das ETCs de Miritituba, os licenciamentos ainda apresentam outra irregularidade: estão sendo realizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), apesar de a natureza jurídica dos entes envolvidos na concessão das autorizações de atividades, os valores empregados no financiamento, a dominialidade da área do complexo de portos e a extensão do dano socioambiental vincularem a obrigação do licenciamento ao Ibama.

“É assente [sólido] na doutrina especializada que o princípio norteador para definir-se a competência para o licenciamento ambiental é o da predominância do interesse, sendo que as obras que causarem significativos impactos ambientais de interesse da União e em seus bens, devem, necessariamente, ser licenciados pelo Ibama”, enfatiza o MP.

Além de não ser o órgão competente para a emissão das licenças, a Semas estava permitindo uma série de violações legais nos processos de licenciamento, denunciaram os membros do MP/PA e MPF. Indígenas e outras comunidades tradicionais direta e indiretamente impactadas não foram consultadas, uma pesquisa de campo com pescadores resumiu-se a entrevistas com dois deles, uma empresa foi autorizada a deixar de estudar impactos em uma comunidade indígena simplesmente porque essa mesma empresa intuiu que os indígenas não seriam impactados e impactos a espécies de peixes e quelônios foram ignorados.



Processo nº: 0000312-62.2016.4.01.3908 – Justiça Federal em Itaituba

Íntegra da ação
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Justiça Federal declara nulidade de licenças para construção de resort em Governador Celso Ramos (SC)

Pedidos foram feitos em ação civil pública proposta pelo MPF/SC
Após ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina, a Justiça Federal proferiu sentença que declarou a nulidade das licenças, autorizações e alvarás expedidos pelo Município de Governador Celso Ramos, ICMBio e FATMA em favor do empreendimento Txai Resort Ponta dos Ganchos, pretendido para extensa área de promontório, costão e praia no Município de Governador Celso Ramos (SC), região metropolitana de Florianópolis.
Os réus também foram condenados a impedir alterações negativas na região pretendida para o resort que façam uso de áreas de preservação permanente, especialmente no promontório (elevação geográfica composta por rochas e penhascos e protegida pela legislação federal).
A sentença condena ainda a empresa ré Marsala Incorporação SPE S.A a paralisar e inibir atividades na área que ocupe o promontório, bem como nas demais áreas de preservação permanente e de acesso à praia (para que ela não seja privatizada).
A procuradora da República Analúcia Hartmann, autora da ação, alegou que o local é protegido por legislação federal, não podendo ser utilizado para a atividade pretendida, bem como comprovou, na ação, que as autorizações e licenças não levaram em consideração a legislação em vigor e os elementos naturais existentes na região, que devem ser protegidos.
O MPF/SC sustentou ainda que o empreendimento vai concretizar o uso privativo da praia contígua, já que pretende instalar guaritas e controle de acesso na entrada, em desacordo com a Constituição Federal e a Lei n. 7.661/88.
Os réus podem recorrer da decisão para o Tribunal Regional da 4ª Região.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Santa Catarina
(48) 2107-2466 e 8848-1506
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MPF ajuíza ações civis para garantir proteção de bens culturais em licenciamento ambiental

http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-ajuiza-acoes-civis-para-garantir-protecao-de-bens-culturais-em-licenciamento-ambiental

Norma editada pelo Iphan desconsiderou bens que podem ser postos em risco durante processo de licenciamento
MPF ajuíza ações civis para garantir proteção de bens culturais em licenciamento ambiental
Corcovado, no Rio de Janeiro - exemplo de paisagem a ser preservada. (Foto: Alexandre Maciera/ Riotur)
Em ação coordenada, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, nesta quarta-feira, 17 de fevereiro, ações em dois estados para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) corrija instrução normativa (IN 01/2015) que estabelece procedimentos administrativos a serem observados pelo órgão nos processos de licenciamento ambiental. As ações fazem parte da estratégia do MPF para revisão da norma que regulamenta a atuação da autarquia na temática. O Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural, responsável pelas ações, questiona judicialmente dois pontos da regulamentação.

Artigo 2 - O Iphan não incluiu na norma bens culturais que deveriam ser protegidos durante o processo de licenciamento, como os bens inventariados e as paisagens culturais chanceladas, que têm o mesmo tratamento constitucional que os demais bens que são protegidos pela norma e que já tinham sido alvo de prévio tratamento infraconstitucional.

Na ação ajuizada no Estado de Sergipe pela procuradora da República Lívia Tinôco, o MPF observa que “a atuação displicente da União e do Iphan para com o direito fundamental ao meio ambiente cultural merece reparo por ofender o princípio da proibição da proteção deficiente”. Segundo o princípio, o Estado tem obrigação de proteger e defender um direito já garantido pela Constituição.

Artigo 60 – A ação civil ajuizada no Rio de Janeiro questiona o artigo 60 da instrução normativa. Segundo a norma, não é necessária a realização de estudos para licenciamento de empreendimentos em áreas degradadas, contaminadas, eletrificadas ou de alto risco, desde que comprovadamente periciadas. 

O MPF alerta que o dispositivo “é desastroso”, já que o Iphan contraria a Constituição ao deixar de exigir os estudos. O procurador da República Jaime Mitropoulos, que assina a ação, exemplifica que se um empreendimento quiser se estabelecer em trecho do centro antigo da cidade do Rio de Janeiro, com valor histórico e cultural, mas que, atualmente, encontra-se degradado pelo tempo, pela sociedade ou pelo Poder Público não seria esse motivo suficiente para deixar de exigir do empreendedor a apresentação de estudo. Para o MPF, as circunstâncias apontadas pelo artigo 60 não afastam os “deveres de guarda e vigilância permanente confiados ao poder público”.
Na ação, o MPF pede que o Iphan seja obrigado a exigir os estudos e indique o conteúdo mínimo para realização dos levantamentos para avaliar o impacto do empreendimento sobre os bens culturais acautelados ou em processo de acautelamento também nas hipóteses de áreas degradadas, contaminadas, eletrificadas ou de alto risco.
O licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente. O procedimento administrativo é dividido em três fases. A licença prévia avalia os impactos ambientais e culturais do empreendimento, analisando os ônus e bônus e definindo sua melhor localização e viabilidade ambiental. Na segunda fase, intitulada licença de instalação, são autorizadas as obras para a realização dos projetos apresentados a partir da declaração, pelo licenciador, de que o empreendimento é viável ambientalmente. Por fim, na licença de operação é verificado se a execução das obras se encontra em conformidade com o planejado, possibilitando o funcionamento do empreendimento.

Histórico – O grupo de trabalho Patrimônio Cultural, ligado à Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, acompanha a regulamentação da atuação do Iphan no curso dos licenciamentos ambientais desde a edição da Lei Complementar 140/2011. Para garantir a proteção do riquíssimo patrimônio cultural brasileiro, o GT se reuniu diversas vezes com o Iphan para debater a inserção do órgão nas etapas de licenciamento de bens culturais. 
Depois de receber a minuta da Instrução Normativa 01, que trata da regulamentação da intervenção do Iphan no curso dos licenciamentos ambientais, o MPF realizou, em outubro de 2014, audiência pública na Procuradoria da República no Rio de Janeiro, onde se discutiu com a sociedade civil e o próprio Iphan sugestões de aprimoramento ao texto.

A Instrução Normativa foi publicada no dia 25 de março sem acatar integralmente as recomendações do MPF para aperfeiçoamento da norma. A portaria foi lançada um dia depois que a União, por meio de quatro dos seus Ministérios (Meio Ambiente, Justiça, Cultura e Saúde), editou a Portaria Interministerial nº 60, que estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Confira as íntegras das ações ajuizadas 
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Procuradoria-Geral da República
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Primeiros frutos de esforços conjuntos para proteção das RPPN são colhidos | Secretaria do Meio Ambiente

Primeiros frutos de esforços conjuntos para proteção das RPPN são colhidos | Secretaria do Meio Ambiente



Primeiros frutos de esforços conjuntos para proteção das RPPN são colhidos



Atividade irregular de extração mineral em área de RPPN em Guatapará foi autuada e embargada



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Fotos da mineiradora autuada e embargada – CFA



Os frutos do “Plano de Apoio à Proteção das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN)”, instituído por meio da Resolução SMA nº 80, de novembro de 2015, começam a ser colhidos. Um exemplo disso foi a atuação conjunta, no final do ano, de diversos órgãos fiscalizadores e de policiamento, entre eles a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental (CFA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Polícia Militar Ambiental (PAmb).



O objeto da força-tarefa, que teve também a participação de órgãos federais, foram os danos ambientais causados pelo Porto de Areia F. C. Nogueira por extração irregular de areia, no leito do rio Mogi Guaçu e dentro dos perímetros da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Toca da Paca, no município de Guatapará.



Segundo o coordenador de Fiscalização Ambiental, Sergio Marçon, “ação exemplar!”. Ele acrescentou que a ação conjunta serve de modelo, “não só pela demonstração de sinergia entre RPPN e agentes de fiscalização, mas também pelo trabalho de inteligência da Polícia Ambiental na verificação das infrações. A capacidade de articulação com outros órgãos para uma ação conjunta se constituiu em um grande êxito”.

Em razão das irregularidades constatadas, como a destruição em áreas de preservação permanente (APPs) e de sua vegetação nativa (em diferentes estágios de sucessão de regeneração), a empresa foi penalizada com autuações e embargos relativos a três áreas que totalizam mais de 3,5 hectares e multada no valor de cerca de R$ 140.000,00.



A RPPN Toca da Paca foi criada em 2008 com uma área de 187,63 hectares e reconhecida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), por meio da Fundação Florestal (FF).

Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma unidade de conservação de domínio privado e perpétuo, com objetivo de conservação da biodiversidade. O pedido de reconhecimento de RPPN é iniciativa do proprietário, formalizada mediante requerimento ao Poder Público. Uma vez instituída, a reserva passa a integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação  (SNUC), conforme previsto na Lei Federal nº 9.985/2000.



Atualmente, restam apenas 17,5 % de vegetação natural no estado São Paulo, perfazendo uma área de 4,34 milhões de hectares, segundo o Inventário Florestal do Estado de São Paulo (IF/SMA, 2010). Desse total, cerca de 77%, aproximadamente 3,34 milhões de hectares, encontram-se em propriedades particulares, fazendo com que a criação e manutenção de RPPN seja um importante instrumento para a conservação da biodiversidade em terras paulistas.



Daí, a razão do apoio do Estado às RPPN, por meio da instituição do “Plano de Apoio à Proteção das Reservas Particulares do Patrimônio Natural”, com participação da CFA e PAmb, em parceria com a Fundação Florestal, a Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo (FREPESP) e os próprios proprietários rurais.

Como parte do apoio à proteção das áreas, fazem parte as estratégias de estabelecimento de um fluxo de comunicação entre os proprietários rurais possuidores de RPPN e os órgãos governamentais de fiscalização, visando o auxílio na coibição de ameaças à unidade de conservação; a incorporação dos polígonos das RPPN no monitoramento ambiental por imagens de satélite realizado pela CFA e PAmb; e planejamento de visitas a essas áreas. As vistorias e ações de fiscalização que culminaram nos flagrantes em Guatapará foram resultado dessas iniciativas.



A implementação do Plano foi iniciada em abril 2015, com a promoção de oficinas destinadas aos proprietários das RPPN. Ao todo foram realizadas três oficinas pelo estado, envolvendo 42 RPPN, o que representa 50% das reservas paulistas.

Para 2016, estão previstas oficinas para fortalecer o trabalho de proteção nas RPPN onde o Plano já foi implementado e para possibilitar a participação das demais RPPN ainda não integrantes da ação.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Nota Técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê | Combate Racismo Ambiental

Nota Técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê | Combate Racismo Ambiental



Nota Técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê



 2 de fevereiro de 2016  Destaque, Racismo Ambiental CombateRacismoAmbiental

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Grupos Temáticos da Abrasco produzem Nota Técnica com reflexões, questionamentos e proposições de orientação



Abrasco



Nós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva que atuamos no GTs de Saúde e Ambiente, de Saúde do Trabalhador, de Vigilância Sanitária e de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), vimos a público porque temos o dever de elaborar reflexões, questionamentos e fazer proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente às epidemias de microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti. Dentre os eventos sanitários clinicamente visíveis, as problemáticas relacionadas às doenças vetoriais surgem como  um dos mais importantes eventos sanitários pós Segunda Guerra Mundial.



Como se sabe, foi decisão do Ministério da Saúde (MS) imputar a associação da epidemia de microcefalia à infecção materno-fetal pelo vírus da Zika, supostamente introduzido no Brasil em 2014, no Nordeste brasileiro. Diante da inusitada incidência foi determinado o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, desencadeando a intensificação do controle vetorial do Aedes aegypti, dentro da mesma abordagem utilizada para Dengue, que há cerca 40 anos é realizada sem efetividade para os objetivos pretendidos.



Contexto do surgimento da epidemia



O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial. A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.



Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar alguns por saltarem aos olhos, como:



1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154, julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSA) com o ajuste fiscal.[1]



2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2] esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto.



3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);



4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas áreas;



5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na diferenciação entomológica;



6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya, ao tratá-las como “dengue branda”.  Frise-se que a capacidade vetorial do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?



As estratégias adotadas pelo MS



Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos? Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta está na essência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti, sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014, retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume (UBV)[3] com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo  todo território nacional.



É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.



As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano[4].



Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico, cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014, obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou Nota Técnica[5].



O foco no mosquito e as consequências para a saúde humana



O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.



Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos. As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como: “As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos colocar na água de beber, sem perigo”[6].



Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para os seres humanos[7].



Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta, gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer investigadas.



Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika – não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.



A dengue e o sistema de vigilância epidemiológica



O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.



Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS[8] de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.



O envenenamento da população pobre



No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um parâmetro composto, com o que se busca introduzir  indicadores ambientais[9].



Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a nocividade sobre o sistema imune.



A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário. Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.



Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets of Infants and Children. National Academy Press, Washington”.  Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.



Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.



Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?



Mais venenos, mais resistência, mais venenos



É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós (conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em 1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados. Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.



A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do recipiente e não pela  quantidade interna de água no recipiente. Em 1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.



Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da água de beber.



Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais.



Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos. Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto Alegre.



Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.



Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água[10][11].



Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.



Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente? O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?



Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”. Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e, recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para humanos pela IARC da OMS[12]. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypty como o  Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998, no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014[13]. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.



Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.



Onde fica o saneamento ambiental?



Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?



A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.



As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas. As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capitapode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab.dia. Uma das expressões dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência, onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.



Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti, a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de 2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o que representa 33% do total registrado em todo o país[14].



Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a recomendação para gestantes de uso de repelente[15]. Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição química[16].



O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e 2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001, a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo semestre de 2014, foi introduzida  pelo MS uma nova formulação de Malathion diluído em água[17], contendo emulsificantes e estabelizantes não declarados. A justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas, crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação precisa ser realizada.



Finalizando, reivindicamos das autoridades competentes a adoção das medidas a seguir:



1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da água e garantia de sua potabilidade;



2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas entre outras medidas;



3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto,imediata suspensão do  Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron, ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave para as medidas participativas de eliminação de vetores.



4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais protegidas;



5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica, virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de saúde;



6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;



7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia, em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as áreas de produção de conhecimentos.



8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;



9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho gestacional.



10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial por uma comissão multidisciplinar de especialistas  independentes, incluindo avaliação do modos operandos do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições,  à Organização da Nações Unidas;



12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti, a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência exitosas;



13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos, o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e da sociedade.



Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b) que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à população, tirando o foco na responsabilidade individual e das famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal, pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de casos de microcefalia identificados após o parto.



Assinam:



Grupos Temáticos da Abrasco:



GT de Saúde e Ambiente,



GT de Saúde do Trabalhador,



GT de Vigilância Sanitária,



GT de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e



GT Educação Popular e Saúde.



Notas:



[1] Livro editado pela CNBB no final de 2015.



[2] Disponível em http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/15/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifennmaio-2014.pdf)



[3] UBV é uma técnica que utiliza equipamentos motorizados ou costal de alta pressão fazendo com que as partículas sejam menores, aumentando sua dispersão no ambiente e a penetração nos pulmões pela inalação das pessoas expostas.



[4] Armed Forces Pest Management Board, por meio do Memorando nº 13 – TECHNICAL INFORMATION MEMORANDUM NO. 13, do Centro Médico do Instituto Walter Reed). Disponível em: http://www.afpmb.org/pubs/tims/tim13.htm#Equipment



[5] Ver NT da Abrasco de 2014 https://goo.gl/GbAXx7



[6] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf



[7] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf



[8] Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue / Departamento de Vigilância em Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde



[9] Disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/dengue/nt_aval_vul_epid_dengue_verao_10_11.pdf



[10] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/30/Instrucoes-para-uso-de-pyriproxifen-maio-2014.pdf





[12] Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/MonographVolume112.pdf



[13] Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/setembro/02/Recomenda—-es-para-o-uso-de-malathion-EW.pdf



[14] Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2016/01/20/interna_brasil,622575/sobe-para-3-893-o-numero-de-casos-de-microcefalia-no-pais.shtml



[15] Disponível em: http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/zika-microcephaly-Brazil-rapid-risk-assessment-Nov-2015.pdf



[16] Ver aspectos toxicológicos do DEET em:http://www.health.state.mn.us/divs/eh/risk/guidance/gw/deet.pdf



[17] Fabricado pela Bayer.







Enviada para Combate Racismo Ambiental por Diogo Rocha.
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