quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O meio ambiente como um direito fundamental da pessoa humana



Tiago do Amaral Rocha, Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz

 http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10795&revista_caderno=5
 

Resumo: O trabalho aborda a temática do meio ambiente como um direito difuso pertencente à categoria dos direitos fundamentais, analisando seu enfoque constitucional. A partir de sua tríplice dimensão, qual seja, individual, coletiva e intergeracional, busca-se demonstrar os seus diversos âmbitos de aplicação e afirmar a sua relevância, inclusive como extensão do direito à sadia qualidade de vida.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Direito fundamental. Análise constitucional. Tríplice dimensão.

Abstract: The paper approaches the thematic of the environment as a diffuse right from the category of the basic rights, analyzing its constitutional approach. From its triple dimension, which it is, individual, collective and intergeneration, aims to demonstrate its diverse scopes of application and to affirm its relevance, also as extension of the right to the healthy quality of life.

Keywords: Environment, Fundamental right, Constitutional analysis, Triple dimension.

Sumário: 1. Introdução; 2. Dimensão constitucional do meio ambiente; 3. Direito de participação como fator democrático de proteção do meio ambiente;  4. O meio ambiente como direito fundamental de terceira geração: a perspectiva dos direitos humanos (a solidariedade no plano internacional); 5. Considerações finais; 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tenciona traçar algumas linhas acerca da qualificação do direito ao meio ambiente como um direito fundamental.

O estudo se mostra importante, pois a inserção do meio ambiente como direito fundamental permite maior amplitude e efetividade na sua proteção. A preservação dos recursos naturais é a única forma de se garantir e conservar o potencial evolutivo da humanidade. O próprio texto constitucional determina que o meio ambiente deve ser preservado não só para os atuais, como para os futuros habitantes do planeta.

A análise do tema aborda, portanto, o estudo do direito constitucional ambiental em suas variadas dimensões: individual (direito individual a uma vida digna e sadia); social (meio ambiente como um bem difuso e integrante do patrimônio coletivo da humanidade) e intergeracional (dever de preservação ambiental para as gerações futuras).

 O estudo visa aprofundar cada uma dessas dimensões e assim encontrar um ponto de conexão e substrato sólido para identificar a natureza das normas constitucionais que tratam da proteção do meio ambiente como direito essencial da pessoa humana.

No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo 225 da Constituição da República impõe a conclusão de que o direito ao meio ambiente é um dos direitos humanos fundamentais. Assim o é por ser o meio ambiente considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Isto faz com que o meio ambiente e os bens ambientais integrem-se à categoria jurídica da res comune omnium, sendo considera­dos, pois, como interesses comuns.

A identificação dessa titularidade coletiva permitiu o reconhecimento do meio ambiente como um direito humano de terceira dimensão ou geração, influenciado por valores de solidariedade, com vistas a harmonizar a convivência dos indivíduos em sociedade.

2 DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

2.1. Conceito de Meio Ambiente e sua Disciplina Constitucional

O meio ambiente é um bem jurídico que merece grande destaque. Nenhum outro interesse tem difusidade maior do que ele, que pertence a todos e a ninguém em particular; sua proteção a todos aproveita e sua degradação a todos prejudica.

Está conceituado no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”[1].

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo (1996, p. 31), trata-se de um conceito jurídico indeterminado, assim colocado de forma proposital pelo legislador com vistas a criar um espaço positivo de incidência da norma. Ou seja, se houvesse uma definição precisa de meio ambiente, diversas situações, que normalmente seriam subsumidas na órbita de seu conceito atual, poderiam deixar de sê-lo pela eventual criação de um espaço negativo próprio de qualquer definição.

A Constituição Federal, em seu artigo 225, dispõe que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a preservá-lo e a defendê-lo.

O conceito de meio ambiente supera a denominação de que é um bem público, tendo em vista que não é só do Estado, mas também da coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo.

Ao tratar da definição de meio ambiente, Hugo Nigro Mazzilli (2005, p. 142-143) destaca que:

“O conceito legal e doutrinário é tão amplo que nos autoriza a considerar de forma praticamente ilimitada a possibilidade de defesa da flora, da fauna, das águas, do solo, do subsolo, do ar, ou seja, de todas as formas de vida e de todos os recursos naturais, como base na conjugação do art. 225 da Constituição com as Leis ns. 6.938/81 e 7.347/85[2]. Estão assim alcançadas todas as formas de vida, não só aquelas da biota (conjunto de todos os seres vivos de uma região) como da biodiversidade (conjunto de todas as espécies de seres vivos existentes na biosfera, ou seja, todas as formas de vida em geral do planeta), e até mesmo está protegido o meio que as abriga ou lhes permite a subsistência.”

A Constituição brasileira de 1988, além de possuir um capítulo próprio para as questões ambientais (Capítulo VI, do Título VIII), trata, ao longo de diversos outros artigos, das obrigações da sociedade e do Estado brasileiro para com o meio ambiente.

A fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito da coletividade pela ordem jurídica vigente[3], o que se revela num notável avanço para a construção de um sistema de garantias da qualidade de vida dos cidadãos.

A Lei Fundamental reconhece que as questões pertinentes ao meio ambiente são de vital importância para o conjunto de nossa sociedade, seja porque são necessárias para preservação de valores que não podem ser mensurados economicamente, seja porque a defesa do meio ambiente é um princípio constitucional geral que condiciona a atividade econômica, conforme dispõe o artigo 170, inciso VI, da CF[4], em busca de um desenvolvimento sustentável.

Observa-se que há, no contexto constitucional, um sistema de proteção ao meio ambiente que ultrapassa as meras disposições esparsas. Em sede constitucional, são encontráveis diversos pontos dedicados ao meio ambiente ou a este vinculados direta ou indiretamente[5].

Considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direto fundamental de todos, a sua natureza jurídica se encaixa no plano dos direitos difusos, já que se trata de um direito transindividual, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas entre si por circunstâncias de fato[6].

Acentua-se ainda mais este caráter difuso do direito ambiental quando o próprio artigo constitucional diz que é dever da coletividade e do poder público defender e preservar o meio ambiente, ancorado numa axiologia constitucional de solidariedade.

O professor Marcelo Abelha (2004, p. 43) nos ensina que:

“O interesse difuso é assim entendido porque, objetivamente estrutura-se como interesse pertencente a todos e a cada um dos componentes da pluralidade indeterminada de que se trate. Não é um simples interesse individual, reconhecedor de uma esfera pessoal e própria, exclusiva de domínio. O interesse difuso é o interesse de todos e de cada um ou, por outras palavras, é o interesse que cada indivíduo possui pelo fato de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se refere à norma em questão.”

Conforme dito, o objeto dos interesses difusos é indivisível. E tal característica fica ainda mais evidente quando referido objeto diz respeito ao meio ambiente. Utilizando exemplo citado pelo doutrinador Hugro Nigro Mazzilli (2005, p. 51-52) pode-se afirmar que a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificada ou dividida entre os membros da coletividade. Também o produto da eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido ente os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio interesse em si é indivisível. Destarte, estão incluídos no grupo lesado não só os atuais moradores da região atingida, como também os futuros habitantes do local.

Assim, por caracterizar-se o meio ambiente como um bem plurindividual, (pertencente a todos e a cada um ao mesmo tempo), indivisível e sendo os seus titulares unidos por circunstâncias fáticas conexas (e não por vínculos jurídicos ou origens comuns, como ocorre, respectivamente, nos direitos coletivos e individuais homogêneos[7]), enquadra-se perfeitamente na categoria dos direitos difusos.

2.2. A tríplice dimensão do direito fundamental ao meio ambiente

O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado constitucionalmente como direito fundamental de tríplice dimensão: individual, social e intergeracional.

Individual porque, enquanto pressuposto da sadia qualidade de vida, interessa a cada pessoa, considerada na sua individualidade como detentora do direito fundamental à vida sadia.

Com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o indivíduo tem direito a uma vida digna. Não basta manter-se vivo, é preciso que se viva com qualidade, o que implica conjunção de fatores como saúde, educação e produto interno bruto, segundo padrões elaborados pela Organização das Nações Unidas (MACHADO, 2002, p. 46), sendo certo que, em tal classificação, a saúde do ser humano alberga o estado dos elementos da natureza (água, solo, ar, flora, fauna e paisagem).

Social porque, como bem de uso comum do povo (portanto, difuso), o meio ambiente ecologicamente equilibrado integra o patrimônio coletivo. Não é possível, em nome deste direito, apropriar-se individualmente de parcelas do meio ambiente para consumo privado, pois a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social.

Segundo Paulo Affonso Leme Machado (2002, p. 46): “Os bens que integram o meio ambiente planetário, como a água, o ar e o solo, devem satisfazer as necessidades comuns de todos os habitantes da Terra”.

Intergeracional porque a geração presente, historicamente situada no mundo contemporâneo, deve defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações.

A proteção dos recursos naturais é a única forma de se garantir e preservar o potencial evolutivo da humanidade. Este especial tratamento existe para evitar que irrompam no seio da sociedade perigosos conflitos entre as gerações ocasionados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial.

O direito ao meio ambiente e o seu reconhecimento como um direito fundamental do ser humano surgiu com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pela ONU em 1972, na cidade de Estocolmo, a qual deu origem ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Como resultado das discussões dessa conferência, foi elaborada a “Declaração de Estocolmo” [8], conjunto de 26 proposições denominadas Princípios.

No Princípio 1 e 2 dessa Declaração proclama-se:

“1 - O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.

2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.”

Era a consagração do meio ambiente como um direito fundamental do ser humano, essencial para dignidade da vida humana e que deve ser preservado não só para os atuais, como para os futuros habitantes do planeta.

2.3. O direito fundamental ao meio ambiente como extensão do direito à vida

O direito ao meio ambiente diz respeito a um bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada, nem de pessoa pública. O bem a que se refere o artigo 225 da Carta Magna é, assim, um bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa, tendo como característica básica sua vinculação “à sadia qualidade de vida”. Nota-se, portanto, a absoluta simetria entre o direito ao meio ambiente e o direito à vida da pessoa humana.

O direito à vida é objeto do Direito Ambiental, sendo certo que sua correta interpretação não se restringe simplesmente ao direito à vida, tão somente enquanto vida humana, e sim à sadia qualidade de vida em todas as suas formas. Na lição de Paulo Affonso Leme Machado (2002, p. 46): “Não basta viver ou consagrar a vida. É justo buscar e conseguir a ‘qualidade de vida”.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo/72[9], ressaltou que o homem tem direito fundamental a “[...] adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade [...]” (Princípio 1). A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na Declaração do Rio de Janeiro/92[10], afirmou que “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza” (Princípio 1).

Cite-se como exemplos de bens ambientais o patrimônio cultural brasileiro, o patrimônio genético dos pais, a saúde, os diversos assentamentos urbanos vinculados às necessidades da pessoa humana, o solo, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, os minerais, entre outros, todos eles essenciais à sadia qualidade da vida humana.

3 DIREITO DE PARTICIPAÇÃO COMO FATOR DEMOCRÁTICO DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

A construção prática do Direito Ambiental moderno demonstra que o mesmo é fruto da luta dos cidadãos por uma nova forma e qualidade de vida. Com efeito, os indivíduos e as diferentes Organizações Não Governamentais[11] têm buscado no litígio judicial um fator de participação política e de construção de uma nova cidadania, bem como soluções para as gravíssimas demandas ambientais.

O que informa os interesses difusos é a participação democrática na vida da sociedade e na tomada de decisão sobre os elementos constitutivos de seu padrão de vida. Toda a questão suscitada pelos interesses difusos é essencialmente política.

Norberto Bobbio (1992, p. 78) afirma que vivemos uma “era dos direitos”, na qual as reivindicações sociais se ampliam e buscam referenciais estáveis em uma nova positivação de aspirações formuladas por movimentos de massa. O Direito, portanto, esvazia-se de seu conteúdo de instrumento de dominação para se constituir em um instrumento cristalizador de reivindicações.

Se observarmos o caput do artigo 225 da Constituição Federal, veremos que, dentro dos esquemas tradicionais, não é possível compreender o meio ambiente como um "direito de todos", pois até agora a noção de direito, salvo algumas exce­ções, estava vinculada à idéia da existência de uma relação material correspondente. A defe­sa dos interesses difusos, não estando baseada em critérios de dominialidade entre sujeito ativo e objeto jurídico tutelado, dispensa esta relação prévia de direito material. Não dispensa, entretanto, uma base legal capaz de assegurar a proteção buscada perante o Poder Judiciário.

4 O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE TERCEIRA GERAÇÃO: A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS (A SOLIDARIEDADE NO PLANO INTERNACIONAL)

Com o escopo de ordenar os direitos humanos a doutrina mundial nos traz uma classificação histórica, que resultou de um processo evolutivo destes direitos ao longo do tempo e da observação das necessidades da sociedade à época, distinguindo-os em direitos humanos de primeira, segunda e terceira geração ou dimensão.

Nos séculos XVII e XVIII foram positivados os direitos fundamentais individuais baseados na liberdade, os quais deram origem aos chamados direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e políticos). Constituíam liberdades negativas, pois esses direitos serviam de escudo ou oposição contra o Estado, impedindo que invadisse a esfera jurídica dos indivíduos. Com o surgimento da Revolução Industrial, em que ficaram evidenciadas as diferenças entre os cidadãos, notadamente pelo prisma do capital versus trabalho, o Estado se deu conta de que não podia partir da premissa de que todos eram iguais naturalmente, pois de fato não o eram. Foi assim que nasceu o Estado Social e que surgiram os direitos humanos de segunda geração (sociais, econômicos e culturais), representando o rol de liberdades positivas.

Também por ocasião da Revolução Industrial surgiu a sociedade de massa e, por consequência, os conflitos de massa, necessitando o Estado criar novos direitos para garantir e harmonizar a convivência dos indivíduos considerados em seu conjunto, ou seja, coletivamente. Há aqui uma mudança do enfoque: do individual para o coletivo. Foi neste contexto que surgiram os direitos humanos de terceira geração ou dimensão (direitos coletivos, transindividuais), influenciados por valores de solidariedade. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 58), os principais direitos de solidariedade são: direito à paz, direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente e direito ao patrimônio comum da humanidade.

Norberto Bobbio (1992, p. 43), ao se referir ao problema dos direitos humanos de terceira gera­ção, afirmou que o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. No mesmo sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 62): “De todos os direitos de terceira geração, sem dúvida o mais elaborado é o direito ao meio ambiente”.

Trata-se, conforme já o proclamou o Supremo Tribunal Federal[12], de um direito típico de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo gênero humano.

Vale destacar a observação feita pela advogada Andréia Minussi Facin em artigo publicado em sítio eletrônico[13]: “Assim, como a doutrina passou a considerar como Direito Humano de Terceira Geração o direito a um ambiente digno e sadio, quando se viola o direito ao meio ambiente, também se viola os direitos humanos”.

Os direitos humanos estão se ampliando. Este fato é uma res­posta que a sociedade vem dando ao fenômeno da massificação social e às dificuldades crescentes para que todos possam vivenciar uma sadia qualidade de vida, ainda que a violação dos direitos humanos seja mais evidente que o seu respeito. O fato é que, se há violação é porque existe uma norma a ser violada ou respeitada. Esta realidade desem­penha um papel fundamental na conscientização de todos aqueles que, subjetivamente, consideram que os seus direitos fundamentais foram violados. É por isso que se fala na terceira geração de direitos humanos, direitos estes que não se limitam àqueles fruíveis individualmente ou por grupos determinados, como foi o caso dos direitos individuais e dos direitos sociais.

É preciso que se perceba que, embora dotado de forte conteúdo econômico, não se pode entender a natureza econômica do Direito Ambiental como um tipo de relação jurí­dica que privilegie a atividade produtiva em detrimento de um padrão de vida mínimo que deve ser assegurado aos seres humanos. A natureza econômica do Direito Ambiental deve ser percebida como o simples fato de que a preservação e sustentabilidade da utili­zação racional dos recursos ambientais deve ser encarada de forma a assegurar um padrão constante de elevação da quali­dade de vida dos seres humanos que, sem dúvida alguma, necessitam da utilização dos diversos recursos ambientais para a garantia da própria vida humana.

O reconhecimento definitivo do Direito Ambiental como direito humano já começa a ser feito pelos Tribunais Administrativos e Judiciais de vários países do mundo[14].

No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo 225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o Direito Ambiental é um dos direitos humanos fundamentais. Assim o é por ser o meio ambiente considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Isto faz com que o meio ambiente e os bens ambientais integrem-se à categoria jurídica da res comune omnium. Daí decorre que os bens ambientais são considera­dos interesses comuns. Observe-se que a função social da propriedade passa a ter como um de seus condicionantes o respeito aos valores ambientais. Propriedade que não é utilizada de maneira ambientalmente sadia não cumpre a sua função social.

Não bastassem os argumentos acima expendidos, é de se ver que o próprio artigo 5º da Lei Fundamental faz menção expressa ao meio ambiente, conforme deixa claro o teor do inciso LXXIII[15] ao arrolá-lo como um dos objetos da ação popular.

Desta forma, confirma-se, no Direito positivo, a construção teórica que vem sendo elaborada pela doutrina jurídica mais moderna.

Como é elementar, o artigo 5º da Constituição Federal cuida dos direitos e garan­tias fundamentais. Ora, se é uma garantia fundamental do cidadão a existência de uma ação constitucional com a finalidade de defesa do meio ambiente, tal fato ocorre em razão de que o direito ao desfrute das condições saudáveis do meio ambiente é, efetiva­mente, um direito fundamental do ser humano.

O direito ao meio ambiente, por ser um direito fundamental da pessoa humana, é imprescritível e irrevogável, constituindo-se em cláusula pétrea do sistema constitucional brasileiro, sendo inconstitucional qualquer alteração normativa que tenda a suprimir ou enfraquecer esse direito.

Demais disso, por força da cláusula aberta do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, os pactos, tratados e convenções relativas ao meio ambiente aprovadas pelo Brasil, desde que mais favoráveis, integram imediatamente o sistema constitucional dos direitos humanos fundamentais.

Pelo princípio da prevalência da norma mais protetiva ao meio ambiente na aplicação e interpretação da legislação internacional e nacional, deve preponderar a norma que mais favoreça ao meio ambiente. O ato normativo que terá preferência será sempre aquele que propiciar melhor defesa a esse bem de uso comum do povo e direito de todos, constitucionalmente garantido, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Dentro desse contexto, o artigo 225 da Carta Maior deve ser interpretado em consonância com o artigo 1º, III, que consagra como fundamento da República o princípio da dignidade da pessoa humana; o artigo 3º, II, que prevê como objetivo fundamental da República o desenvolvimento nacional; e o artigo 4º, IX, que estipula que o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais pelos princípios da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, de maneira a permitir maior efetividade na preservação ao meio ambiente.

A qualificação do meio ambiente como um direito humano fundamental confere-lhe uma proteção mais efetiva, seja no plano interno, seja no plano internacional, propiciando a eventual responsabilização do país perante os organismos internacionais de defesa dos direitos humanos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância de um bem jurídico pode ser medida a partir do tratamento constitucional de declaração e controle que uma nação lhe confere. No Brasil, a proteção ao meio ambiente surge com especial destaque na Constituição da República de 1988, que lhe dedica um Capítulo próprio, a par de outras normas protetivas esparramadas no corpo da Carta.

A partir de uma interpretação sistemática de diversos dispositivos constitucionais, chegou-se à conclusão de que o direito ao meio ambiente inclui-se no rol dos direitos fundamentais, o que lhe confere uma proteção mais ampla, concreta e efetiva.

Isso se mostrou possível a partir do momento em que o direito ao meio ambiente passou a ser entendido como uma extensão ou corolário lógico do direito constitucional à vida, na vertente da sadia qualidade de vida. Afinal, como já foi dito anteriormente neste artigo, não basta manter-se vivo; é preciso que se viva com dignidade.

É dizer, o bem jurídico vida depende, para a sua integralidade, entre outros fatores, da proteção do meio ambiente com todos os seus consectários, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.

A vida tutelada pela Lei Fundamental, portanto, transcende os estreitos limites de sua simples atuação física, abrangendo também o direito à sadia qualidade de vida em todas as suas formas. Sendo a vida um direito universalmente reconhecido como um direito humano básico ou fundamental, o seu gozo é condição essencial para a fruição de todos os demais direitos humanos, aqui incluso o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A integridade do meio ambiente, erigida em direito difuso pela ordem jurídica vigente, constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva. Isso reflete, dentro da caminhada de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num contexto abrangente da própria coletividade.

Essa titularidade coletiva permitiu o reconhecimento do meio ambiente como um direito humano de terceira dimensão, influenciado por valores de solidariedade, com vistas a garantir e harmonizar a convivência dos indivíduos considerados em seu conjunto, inseridos num contexto de sociedade.

Assim, a consagração do meio ambiente como um direito fundamental da pessoa humana introduz no Estado e no seu corpo social um paradigma axiológico que deve ser respeitado e seguido por todos, pois esse é o caminho escolhido politicamente pelos fundadores da nossa ordem jurídica para assegurar a sobrevivência, nos seus mais diversos matizes, do principal elemento constitutivo do Estado: o povo.



Referências:
ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
BOBBIO, Norberto. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
FERREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos Humanos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. NERY, Rosa Maria Andrade. Direito Processual Ambiental Brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

Notas:
[1][1] Referida lei ainda considera o meio ambiente como “um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo“ (artigo 2º, I).
[2] Lei da Ação Civil Pública.
[3] Art. 225, CF. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[4] Art. 170, CF. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[5] Como exemplos podemos citar, entre outros: Artigo 5º, incisos XXIII, LXXI, LXXIII; Artigo 20, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI e §§ 1º e 2º; Artigo 21, incisos XIX, XX, XXIII, alíneas a, b e c, XXV; Artigo 22, incisos IV, XII, XXVI; Artigo 23, incisos I, III, IV, VI, VII, IX, XI;  Artigo 24, incisos VI, VII, VIII; Artigo 43, §2º, IV e §3º;  Artigo 49, incisos XIV, XVI; Artigo 91, §1º, inciso III; Artigo 129, inciso III; Artigo 170, inciso VI; Artigo 174, §§ 3º e 4º; Artigo 176 e §§; Artigo 182 e §§; Artigo 186; Artigo 200, incisos VII, VIII; Artigo 231; Artigo 232; e Artigos 43, 44 e §§, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
[6] O conceito legal de interesses ou direitos difusos encontra-se no artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
[7] O conceito legal de interesses ou direitos coletivos e individuais homogêneos encontra-se no artigo 81, parágrafo único, incisos II e II do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
[8] Disponível em: <http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm>. Acesso em: 17 jul. 2010.
[9] Disponível em: <http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm>. Acesso em: 17 jul. 2010.
[10] Disponível em: <http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&id Conteudo=576>. Acesso em: 17 jul. 2010.
[11] Diversos exemplos de demandas judiciais ambientais propostas pelas Organizações Não Governamentais podem ser encontrados no sítio do Instituto Justiça Ambiental: <http://www.ija.org.br/iniciativas.php>. Acesso em: 17 jul. 2010.
[12] Nesse sentido: “Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um direito típico de terceira geração” (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 134.297-8/SP. Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22/11/1995, p. 30.597).
[13] Meio ambiente e direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3463>. Acesso em: 22 mar. 2011
[14] O Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou o direito ao meio ambiente como um direito humano através do que se adjetiva de “proteção de rebote”. O Tribunal permitiu que um atentado contra o meio ambiente fosse a ele submetido, não por si mesmo, mas como causa de violação de outros direitos protegidos pelo Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais. O caso mais interessante é o López Ostra, que derivou de uma demanda contra a Espanha. Na ocasião, o Tribunal admitiu que uma grave contaminação do meio ambiente pode afetar o bem estar do indivíduo e impedi-lo de desfrutar de seu lar, violando sua vida privada e familiar. Exemplo retirado do artigo: O direito humano a um meio ambiente equilibrado, de autoria de Márcia Rodrigues Bertoldi. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000.  Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1685>. Acesso em: 22 mar. 2011.
[15] Artigo, 5º, LXXIII, CF - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.


Informações Sobre os Autores
Tiago do Amaral Rocha
Graduado em Direito pela UNIPÊ/PB.Assessor Jurídico do Instituto de Previdência Social dos Servidores do Município de Natal-RN.Especialista em Direito Processual Civil pelo UNIPÊ. Advogado.

Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP. Especialista em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/Uniderp. Assessora Jurídica do Instituto de Previdência Social dos Servidores do Município de Natal-RN. Advogada.

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