segunda-feira, 16 de julho de 2012

A APLICAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL EXIGE BOM SENSO E COMPROMISSO COM O PAÍS


fonte: http://www.institutowilliamfreire.org.br/?id_pagina=49
Autor: William Freire

Nas Ordenações Filipinas já constava[II]:

“O que cortar árvores frutíferas, em qualquer lugar, pagará ao seu dono o valor estimado dela em triplo.

“E se a árvore danificada valer quatro mil réis, será açoitado e degredado para a África por quatro anos.

“Se a árvore danificada valer trinta cruzados ou mais, será degredado para sempre para o Brasil”.

Mesmo a preocupação com o ambiente sendo antiga no mundo, o Brasil entra no Século XXI com problemas básicos em matéria de preservação ambiental. A ausência de saneamento básico, por exemplo, que transforma nossos rios em esgotos a céu aberto, faz com que o País enfrente, hoje, doenças há muito erradicadas dos Países desenvolvidos[III].

Enquanto o mundo repudia a política dos Estados Unidos da América, que se nega a ratificar o Tratado de Kyoto, no Brasil ocorrem grandes avanços em termos de consciência e preservação ambiental.


Há um significativo esforço de doutrinadores, do Ministério Público e do Judiciário para aprender e bem aplicar o Direito Ambiental.

Isso torna a função de todos os atores mais complexa diante da demanda ambiental: de um lado, devem tolher abusos, protegendo a livre iniciativa e a utilização dos recursos naturais colocados pela natureza à disposição da humanidade, que geram riqueza, crescimento econômico e bem-estar social; de outro, devem garantir a utilização dos recursos naturais de forma ambientalmente sustentável.

O Promotor de Justiça Luís Fernando Cabral[IV], em Ação Civil Pública proposta na Comarca de Bacabal/MA, percebeu bem a importância dos dois interesses envolvidos:

“Com efeito, o desenvolvimento sustentável nos leva à convicção de que a preservação do meio ambiente como própria garantia de continuidade à espécie humana deve ser equacionada às necessidades de desenvolvimento, geração de emprego e movimentação de capital, mormente nos países de terceiro mundo, onde perduram muitos rincões de subdesenvolvimento.”

O Direito não pode ser considerado algo abstrato, inatingível, pois tem como função regular situações reais, muitas vezes compondo conflitos em que ideologias – sadias ou não – se confrontam.

Num país como o Brasil, onde mais da metade da população vive abaixo da linha de pobreza, a realidade está longe das filigranas jurídicas e das discussões meramente acadêmicas.

A aplicação da lei ambiental tanto suscita paixões legítimas como oportunistas. Por isso, ao Judiciário toca, na tarefa, significativa responsabilidade: a de encontrar o ponto de equilíbrio entre as tendências contraditórias do desenvolvimento exasperado e a da preservação romântica. “Neste processo, submetido à revisão do Tribunal, encontro as duas tendências: a da indústria, inserida em regime capitalista de agressiva competição, degradando o meio ambiente em nome do desenvolvimento; e a da sociedade, representada por instituições para isso legitimadas, em reação talvez exagerada, expondo a risco o próprio desenvolvimento e os valores que ele suscita.” [V]

Daí a importância de o julgador manter-se sempre atento aos outros ramos do conhecimento e à realidade à sua volta, seja pela convivência com seus semelhantes, seja pelo interesse por assuntos que extravasam as Ciências Jurídicas.

A missão do juiz não é simples. Eqüidistando-se do conflito, deve perceber as paixões por trás de cada argumento para tornar-se protagonista do justo, da justiça e do direito.

Por isso, cabe trazer a lição do Tribunal de Justiça gaúcho[VI]:

“Embora louvável o movimento ecologista, ao julgador impende, na apreciação das questões que dizem com o meio ambiente, retirar-lhes a carga de emoção e demagogia. Não podemos pretender voltar à idade das cavernas. E é, com a devida vênia, incompreensível tentar obstaculizar o crescimento do homem e da sociedade, no conjunto de sua evolução espiritual e material, na exploração correta das potencialidades econômicas postas à sua disposição pela natureza”.




Regras para a boa aplicação do Direito Ambiental

A aplicação da lei ambiental segue algumas regras básicas:

1) Lei Nacional de Política Ambiental. O primeiro princípio está estampado no artigo 4º, inciso I: “A política do meio ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”.

O desenvolvimento econômico e social não só é bem-vindo, como absolutamente necessário[VII]. O esforço é no sentido de criar mecanismos tecnológicos, locacionais e financeiros para que se facilite a adequação do empreendimento à sustentabilidade ambiental.

2) Princípio da Legalidade. Os atos administrativos ambientais são vinculados, não permitindo discricionariedade ou flexibilização que afete a segurança do Administrado.

3) Licença Ambiental vinculada aos resultados dos estudos ambientais. Se os estudos ambientais, apesar de toda tecnologia disponível, das medidas mitigadoras e das medidas compensatórias possíveis, concluírem que o empreendimento não é ambientalmente sustentável, nenhuma autoridade no mundo poderá outorgar essa licença. Por outro lado, se os estudos ambientais demonstrarem que, usando a tecnologia disponível, as medidas mitigadoras e as medidas compensatórias possíveis, mais outros fatores, o empreendimento é ambientalmente sustentável, o empreendedor terá Direito Subjetivo à sua obtenção, com presteza e eficiência.

4) Limites Legais de Tolerabilidade. A sociedade necessita dos bens comerciais, industriais e de serviços, mais as atividades sociais para viver, sobreviver e se relacionar. Então, é natural que algum incômodo deva tolerar: algum barulho, alguma fumaça, algum transtorno. Até esse limite, há legalidade; acima dele, a ilegalidade[VIII].

5) Aplicação do Princípio da Precaução com responsabilidade. O princípio da Precaução deve ser utilizado como resposta a um problema identificado, mas, não como panacéia que impeça o desenvolvimento tecnológico ou científico.

O Princípio da Precaução é um valor importante, mas não é o único valor que deve ser levado em conta nas decisões que envolvam a proteção do ambiente, o desenvolvimento tecnológico e as necessidades materiais e imateriais da sociedade.

Por fim, todos devem estar atentos que esse Princípio da Precaução vem sendo desvirtuado a favor de interesses individuais que nenhum compromisso têm com a preservação ambiental. O Princípio da Precaução também vem sendo brandido como forma de ocultar escusos interesses de protecionismo comercial.

6) Atenção ao Princípio da Significância. Princípio da Significância é aquele que estabelece que somente os fatos ou atos que sejam de relevância para o ser humano merecem proteção jurídica.

Essa valoração, que atribui efeito a um fato, nada mais faz do que adjetivá-lo. Ao atribuir conseqüências jurídicas ao fato, cria direitos e obrigações para os administrados, razão pela qual somente pode ocorrer por via de lei em sentido estrito, diretamente ou por norma emanada de órgão expressamente delegado (como o CONAMA).

O Princípio da Significância estabelece que somente os fatos ou atos que tenham relevância para o ser humano merecem proteção jurídica. A relevância deve ser real. Uma estrela cadente é bela, mas não tem significância jurídica. Não pode ser inserida numa estrutura normativa sob pena de ridículo, porque o Direito valora racionalmente os fatos antes de elevá-los à categoria de fatos jurídicos.

O mundo dos direitos é constituído pela relações jurídicas. Compõem-se dos acontecimentos do mundo fático que sejam relevantes para a sociedade, somente as ocorrências fundamentais aos valores de convivência participam deste mundo. Podem ser construídos juízos positivos ou negativos, denominados juízos de valor.

O Direito é forma de vida intencionalmente regida por valores, dá garantia a uma situação de seguridade que deve ser justa. O fato, para ser juridicamente protegido, deve ter relevância para o bem-estar da coletividade. Deve ter sido valorado em consonância com a regra jurídica e o suporte fático.

O art. 225, IV, CR/88, exige que a instalação de obra ou atividade que possa causar significativa degradação ambiental seja precedida de prévio Estudo de Impacto Ambiental.

A Constituição Federal reforça o Princípio da Significância aplicado à proteção ambiental ao mencionar ações que impliquem “significativa” degradação ao meio ambiente. Está admitindo a valoração da interferência no ambiente.

O Princípio da Significância aplicado à proteção ambiental busca uma compatibilização do desenvolvimento econômico-social do país com a preservação da natureza. O intuito é evitar que uma obra ou atividade importante sob o ponto de vista econômico ou social seja impedida de realizar-se, baseada em degradação ambiental não relevante.

A Resolução CONAMA 001/86 reafirma o Princípio da Significância aplicado à proteção ambiental, expondo de maneira exemplificativa os casos em que haverá necessidade do EIA, se e quando houver significativa possibilidade de degradação ambiental. Nas hipóteses do art. 2º da citada Resolução, o estudo é obrigatório, por considerá-las, a partir de um juízo prévio de valor, significativamente impactantes ao meio ambiente.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992, enfatizou o Princípio da Significância aplicado à proteção ambiental. Proclamou em seu Princípio XVII que todas as propostas que produzirem um impacto mais significante ao meio ambiente estariam sujeitas a decisões de competência da autoridade nacional.

7) Medidas extremas, como interdições sumárias, somente em caso de ocorrência de risco qualificado ou desrespeito contumaz à ordem jurídica ambiental. Esse princípio parte da percepção de que é o setor produtivo – de serviços, comercial ou industrial – que gera progresso e sustenta o Estado, e, por isso, deve ser respeitado. Esse conceito está estampado no Agravo de Instrumento n.º 232.916-7.00[IX], julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na equilibrada lição do Desembargador LÚCIO URBANO:

“Nenhuma dúvida que salutar a defesa do meio ambiente, em cuja messe o Ministério Público de Minas Gerais, felizmente, anda empenhado, de modo vigoroso, impondo-se, por isso mesmo, o respeito de todos.

“Se de um lado é benéfica a defesa do meio ambiente, de outro lado igualmente benéfica é a atividade empresarial, porque dela advêm recursos traduzidos em impostos, como também a solução do problema do desemprego.

“Ambos, portanto, são muito importantes, sem se divisar supremacia de um sobre o outro.

“Não se deve alimentar conflito entre tais interesses, mas conciliá-los.

“A suspensão imediata e liminar da atividade de uma empresa, em razão de poluição do meio ambiente, deve ser imposta somente diante de risco qualificado. (...)

“Certo é que se precisa de ambas as atividades: meio ambiente saudável e empresa geradora de riqueza.”

Julgando Agravo de Instrumento originário da Comarca de Guarujá, o Tribunal de Justiça de São Paulo traz interessante lição no voto do Relator:[X]

“Embora louvável, portanto, a tenacidade de quantos desfraldem a bandeira da defesa ecológica, principalmente dos ilustres órgãos do Ministério Público integrantes da equipe de proteção do meio ambiente, a aplicação dessas leis, pelo Judiciário, reclama criteriosa análise de cada caso concreto considerado, com minudente dissecação de todos os ângulos apresentados, a fim de que, aquilo que deve ser uma conquista no sentido do avanço do Homem, rumo ao seu melhor destino, não venha a constituir empecilho à sua caminhada”.

Busca do desenvolvimento e proteção ambiental sem demagogia

A proteção do ambiente nunca foi excludente ou empecilho do desenvolvimento e do lucro. Ao contrário, o racional aproveitamento dos recursos naturais potencializa os benefícios que podem ser extraídos dos recursos que a natureza colocou à disposição da humanidade.

Os verdadeiros inimigos do ambiente são:

1. Leis e regulamentos sem qualidade[XI]. Algumas regras jurídicas são elaboradas sem cuidado e ao sabor da pressão ou mídia do momento. Criam polêmica, dificuldade de aplicação e favorecem a judicialização da questão ambiental.

2. Politização da questão ambiental: a política toma lugar da visão técnica, econômica e social em assunto tão relevante para o destino da Nação;

3. Ausência de qualidade e agilidade na gestão ambiental pública;

4. Tolerância do Ministério Público com os municípios que não investem em saneamento básico. Enquanto mira em alvos fáceis, nosso País consolida sua posição de esgoto a céu aberto, em flagrante prejuízo das comunidades mais pobres.

Arealidade é que, em primeiro lugar, absoluto, aparece o Estado-Poluidor, que permite que milhões de toneladas de esgotos não tratados sejam jogados em nossos rios anualmente. As estatísticas são alarmantes. O jornal do Projeto Manuelzão, de novembro de 2004, p. 10, informa que “apenas 5,2% (isso mesmo, apenas 1/20 avos) de poluentes coletados em Minas Gerais são tratados antes de serem despejados nos rios”.

Dos 15 milhões de metros cúbicos de esgotos produzidos no Brasil por dia, somente 5,1 milhões recebem algum tipo de tratamento (já considerando o tratamento primário, quando se retira apenas a parte sólida do esgoto). Se se considerar o tratamento secundário, as estatísticas desabam ainda mais).

Em segundo lugar, vem a atividade agropecuária descontrolada, que devasta um campo de futebol a cada quatro minutos. A partir daí surgem as queimadas e a destruição da mata ciliar. Toneladas de solos removidos inadequadamente assoreiam os rios. Toneladas de agrotóxicos poluem o lençol freático e os cursos d’água. Numa entrevista publicada no Jornal de Casa de 06.11.99, um representante de uma das mais conceituadas ONGs ambientais declarou: “P: Hoje o setor agrícola é o mais atrasado em termos de política ambiental? R: A agricultura brasileira, nestes 500 anos, vem sendo feita na base da política de terra arrasada. (...) Aqui em Minas, onde conheço melhor, a agricultura malfeita e predatória responde, no mínimo, por 60% da degradação ambiental”.

Conclusão

Nenhum cidadão pode defender a intervenção desregrada no meio ambiente. Mas, também, não pode fingir que não percebe a ineficiência, os desmandos e os oportunismos que ocorrem em torno da questão ambiental.

Enquanto na Comunidade Européia a renda per capita é cerca de US$ 34 mil, no Brasil é cerca de R$ 3 mil (11 vezes menor). No Brasil, há 27 milhões de pessoas vivendo com menos de meio salário mínimo mensais. Há famílias inteiras tirando seu sustento de lixões – cerca de 25 mil pessoas – disputando a comida com os urubus. Dados recentes mostram que pelo menos 7,5 mil pessoas residem em lixões no Brasil. Já há lixão em São Paulo para o qual há fila de espera.

Há necessidade urgente de afastar os mecanismos que impedem que a questão ambiental seja uma aliada do desenvolvimento.

O Brasil caminha rápido para o ponto de equilíbrio, em razão do amadurecimento acelerado que todos vêm experimentando. A direção aponta para o aprimoramento do Princípio do Desenvolvimento Sustentável, que nada mais é do que o esforço de todos para a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com o uso racional dos recursos naturais.

O momento é de trabalho e cooperação de todos na busca da solução dos conflitos ao invés de alimentá-los. Isso, sim, em favor do País e das futuras gerações.

[I] Advogado formado pela UFMG. Especializado em Direito Ambiental. É autor dos seguintes livros: Comentários ao Código de Mineração (2ª Ed. Aide, 1996). Revista de Direito Minerário (Editora Mineira, 1997- Coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (Ed. Aide. 1998). Código de Mineração Anotado e legislação complementar mineral e ambiental em vigor (2ª Ed. Mandamentos, 2002). Dicionário de Direito Minerário. Inglês-Português (Ed. Revista de Direito Minerário, 2002). Recurso Especial e Extraordinário (Ed. Mineira, 2002). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais. (Editora Mineira, 2003). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente (Editora Mineira, 2003 - Coordenador). Direito Ambiental aplicado à mineração (Ed. Mineira, 2005). Dentre outras atividades, é Coordenador e orientador do Programa Formação e Aperfeiçoamento de Negociadores Ambientais e coordenador da Câmara de Avaliação de Indenizações e Medidas Compensatórias Ambientais. www.williamfreire.com.br.

[II] Livro V, Título LXXV.

[III] De uma maneira geral, pode-se afirmar que cerca de oitenta por cento de toda poluição nacional são produzidas pela ausência de saneamento básico e por atividades agropecuárias irregulares. Às demais atividades sociais e produtivas cabem os vinte por cento restantes.

[IV] In Revista de Direito Ambiental, vol. 03, p.332.

[V] Jurisprudência Mineira 125/183.

[VI] RJTJRS 133/364.

[VII] Nessa linha de raciocínio, forçoso é reconhecer que ninguém, em sã consciência, defende o descaso ambiental. Por outro lado, o Brasil necessita de avançar nas conquistas socioeconômicas. Isso impõe, urgentemente, criar um modelo em que se favoreça o desenvolvimento sustentável e a eficiência na Administração Pública.

[VIII] A jurisprudência já percebeu esse conceito: “A responsabilidade objetiva pelo dano ambiental deve ser contextualizada, pois sempre haverá um custo ao ambiente com obras como a ora atacada, mas, aí, não cabe falar em dano ambiental, mas sim, em preço ambiental (TRF 4ª Região. Embargos de Declaração na Apelação Cível n.º 0422034-7. Acórdão RIP 04220347. 3ª Turma. Unidade Federal: Santa Catarina. Data da decisão: 13/03/1997. DJ 21/05/97, p. 036077).

[IX] TJMG. Agravo de Instrumento n.º 232.916-7.00. Relator: Des. Lúcio Urbano. DJMG 10.04.04.

[X] TJSP. Agravo de Instrumento nº 107.989-1. 5a Câmara Cível. Julgado em 08/06/896. Leis e regulamentos malfeitos, gerando polêmica, dificuldade na sua aplicação. in RT 646/60.

[XI] Otto Von Bismarck:"Se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranqüilo”.

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