domingo, 23 de setembro de 2012

Quando a biodiversidade ajuda a matar a fome


*NL: ótimo texto

por Fernando Reinach
Sexta-feira, 21 de setembro de 2012 - 10h57
    http://www.scotconsultoria.com.br/noticias/artigos/26438/quando-a-biodiversidade-ajuda-a-matar-a-fome.htm&org=tw

Quase 80% das calorias ingeridas pela humanidade têm origem em poucos vegetais. Se de repente o milho, a soja, o trigo e o arroz desaparecessem, provavelmente grande parte da humanidade morreria de fome em semanas. E, se você pensa que poderia sobreviver comendo um franguinho assado, lembre que um frango nada mais é que milho e soja empacotados na forma de ave. Na Ásia, essa dependência é ainda maior, pois grande parte da população obtém a maioria de suas calorias apenas do arroz.

Nossa dependência de um reduzido número de espécies ocorreu há uns 15 mil anos, com a descoberta da agricultura. Essa tecnologia permitiu a seleção de variedades cada vez mais produtivas de algumas poucas espécies de vegetais. Deixamos de vagar pelas planícies e comer um pouco de cada uma das centenas de vegetais disponíveis para nos alimentar exclusivamente das espécies domesticadas.

Nos últimos cem anos, muitas novas espécies da biodiversidade foram introduzidas no processo produtivo agrícola, mas nenhuma tem a chance de substituir os cereais clássicos. Esse fato tem levado muitos cientistas a duvidar da existência de outras espécies no planeta que possam um dia reduzir nossa dependência desses poucos vegetais. Agora, uma nova descoberta demonstra que existe valor nutricional na biodiversidade, mas não na forma de novas espécies e sim na forma de novas características.

Há muitos anos se sabe que o arroz plantado em todo o mundo tem uma capacidade muito baixa de absorver fósforo. O fósforo, junto com o potássio e o nitrogênio, é um dos principais nutrientes que as plantas precisam retirar do solo para poderem fazer fotossíntese. No início da agricultura, a humanidade utilizava somente solos ricos em nutrientes, pois as bocas a serem alimentadas eram poucas. Mas, ao longo dos últimos 200 anos, a população explodiu e a produção de alimentos teve de se expandir para solos mais pobres.

Além disso, muitas das áreas intensamente cultivadas - e às vezes pouco cuidadas - se tornaram menos férteis. Felizmente, descobrimos como produzir fertilizantes. Mas, se por um lado eles são usados de maneira abusiva em algumas áreas, os fertilizantes químicos são caros demais para muitas populações. No caso do fósforo, o problema é mais sério, pois as reservas conhecidas desse mineral são limitadas e não vão durar para sempre.

O fato é que grande parte das plantações de arroz que alimentam a Ásia possui baixa produtividade por causa da falta de fósforo no solo. Pior: quando existe somente um pouco de fósforo no solo, as variedades de arroz mais plantadas não são capazes de absorvê-lo.

Há alguns anos, um grupo de cientistas resolveu buscar uma solução para esse problema na diversidade de variedades remanescentes dos tipos antigos de arroz. Analisando esses cultivares abandonados há centenas de anos, eles descobriram, no oeste da Índia, uma variedade denominada kasalath, que, apesar de ter vários problemas, possuía uma grande qualidade: era capaz de crescer em solos com pouco fósforo.

Após muitos anos de pesquisa, o gene responsável por essa característica, chamado de PSTOL1, foi descoberto, isolado e agora, finalmente, um arroz transgênico contendo esse gene foi produzido. E, para a felicidade dos cientistas (e da humanidade), ele é capaz de crescer na presença de muito menos fósforo.

O interessante é que esse gene não está presente em nenhuma das variedades modernas de arroz, portanto não está na sequência do genoma do arroz que foi determinada há alguns anos. Por isso, ninguém suspeitava de sua existência.

Mas como ele teria desaparecido das variedades modernas de arroz? Cientistas creem que nossos ancestrais, quando selecionaram suas variedades, cruzando as espécies nativas e selecionando as mais produtivas, fizeram esses testes em regiões onde a terra era muito fértil e rica em fósforo. Nessas condições, esse gene não influencia na produtividade da planta - portanto, seu efeito não foi detectado pelos agricultores primitivos. O resultado é que as variedades modernas acabaram sem o gene e sua falta só foi notada quando a cultura do arroz se espalhou para áreas pobres em fósforo.

O plano é cruzar as variedades modernas com a kasalath e produzir novas variedades comerciais, menos dependentes de fósforo. Com isso, será necessário menos adubo, o custo de produção deve cair e, se tudo der certo, talvez menos pessoas passem fome.

O mais importante é o que essa descoberta nos ensina o valor da biodiversidade. Se os agricultores do oeste da Índia não tivessem preservado todas as formas primitivas de arroz (sua biodiversidade), esse gene teria se perdido. É um bom exemplo de como existe valor real na biodiversidade e por que é tão importante preservar variedades e espécies que aparentemente não têm utilidade direta para os humanos.

Fonte: O Estado de São Paulo. Por Fernando Reinach. 20 de setembro de 2012.

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