terça-feira, 4 de setembro de 2012

LICENCIAMENTO AMBIENTAL: NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS


fonte (íntegra) http://www.tutelaambiental.com/licenciamento-ambiental-natureza-juridica-e-caracteristicas
*grifos do NL
agosto 31, 2012   Eliel Matias da Rosa

A Doutrina repete uníssona que a  licença tradicional se subsume num ato administrativo vinculado, ou seja, não pode ser negada se o interessado comprovar ter atendido a todas as exigências legais para o exercício de seu direito ao empreender uma atividade.No tocante às licenças ambientais, entretanto, dúvidas podem surgir já que é muito difícil, senão impossível, em dado caso concreto, proclamar cumpridas todas as exigências legais.

Sim, porque, ao contrário do que ocorre, por exemplo, na legislação urbanística, as normas ambientais são, por vezes, muito genéricas, não estabelecendo, em regra, padrões específicos e determinados para esta ou aquela atividade. Nestes casos, o vazio da norma legal é geralmente preenchido por exame técnico apropriado, ou seja, pela chamada discricionariedade técnica, deferida à autoridade.

                Situações aparecem, no entanto, em que o recurso à discricionariedade técnica, por si, não é suficiente para preencher o conteúdo da norma, como por exemplo, em casos onde se discute o bem estar da população e atividades que possivelmente estejam sendo lesivas a ele.

                Essa dificuldade avulta nos casos em que a licença ambiental está condicionada a prévio estudo de impacto ambiental, cujo resultado não é vinculante para o administrador, que poderá escolher uma das soluções encontradas no relatório, mesmo que não seja ela a preferida da equipe técnica elaborada do estudo. Por obvio, a amplitude dos aspectos enfocados pelo EIA torna praticamente impossível adstringir-se a licença à aferição do atendimento de “exigências legais” prévias, ainda que com grande margem de discricionariedade técnica. Desta feita, decidir pesando impactos positivos e negativos, a distribuição de ônus e benefício sociais, etc., não é nem decisão vinculada nem discricionariedade técnica.

                Dessa feita, decidir pesando impactos positivos e negativos, a distribuição dos ônus e benefícios sociais, etc. não é nem decisão vinculada nem discricionariedade técnica, mas decisão sobre a conveniência do projeto, o que afasta o ato administrativo originário do processo licenciatório do modelo tradicional da licença, aproximando-o da tipicidade da autorização.

                Daí sustentarem muitos que de autorização é que efetivamente se trata, pois, se licença fosse, deveria o ato da outorga trazer necessariamente a marca da definitividade, o que, a evidência não ocorre em nosso sistema, que prevê prazos de validade para cada tipo de licença. É dizer, o termo licença estaria sendo empregado sem o rigor técnico-jurídico que deveria traduzir, devendo, por conseqüência, ser entendido como sinônimo de autorização, que é um ato administrativo discricionário precário.

                Há também pensamentos contrários a tais considerações:

                Com efeito, a Constituição garante o direito de propriedade, condicionando tal direito ao cumprimento de sua função social e à defesa do meio ambiente. Garante, por igual, o livre exercício de qualquer atividade econômica, atendidas apenas as eventuais restrições impostas por lei em prol do interesse público.

Neste aspecto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, hoje com inequívoco amparo constitucional determinou que previamente à construção, instalação, ampliaao e funcionamento de estabelecimentos e atividades que utilizem recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como as capazs, sob qualquer forma de causar degradação ambiental, seus responsáveis deverão obter a competente licença ambiental. Essa licença, formalizada em alvará, representa a anuência da autoridade ambiental competente, depois de verificado que a construção ou atividade atendeu aos condicionantes, constitucionais e legais para sua localização, instalação e operação. Uma vez que se constituí em direito, garantido a todos o exercício tanto do direito de propriedade como de desempenhar atividade industriais ou comerciais, desde que atendidas as restrições legais, não padecem dúvidas de que , no sentido técnico-jurídico, se trata efetivamente de uma licença e não de uma autorização, com a conseqüência de gerar direitos subjetivos ao seu titular frente à Administração Pública.

Nas ressurge a indagação: como conciliar então aquela margem de discricionariedade deferida à autoridade ambiental, antes referida, com o direito subjetivo do empreendedor?

A resposta a tão intrigante questionamento só pode ser encaminhada de maneira satisfatória se nos convencermos, na linha da mais moderna doutrina, de que, na realidade, não há atos inteiramente vinculados ou inteiramente discricionários, mas uma situação de preponderância, de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente. Deveras, sempre haverá um compósito de elementos e, na verdade, há atos que, embora sejam vinculados, vão envolver, inicialmente, a difícil tarefa interpretativa dos conceitos indeterminados dentro de todo contexto. Daí que, por coerência, o correto seria considerar a licença ambiental como uma nova espécie de ato administrativo, que reúne características de duas categorias tradicionais.

Nada obstante tais considerações, é certo que, no caso do licenciamento ambiental, sem negar à Administração a faculdade de juízos de valor sobre a compatibilidade do empreendimento  ou atividade a planos e programas de governo, sobre suas vantagens e desvantagens para o meio considerado, etc., importa enfatizar que o matiz que se sobressai, aquele que lhe dá colorido especial é o da subordinação administrativa ao requerimento do interessado, uma vez atendidos, é claro, os pressupostos legais relacionados com a defesa do meio ambiente e com o cumprimento da função social da propriedade. Em outros termos, fundamentalmente a capacidade decisória da Administração resume-se ao reconhecimento formal de que os requisitos ambientais para o exercício do direito de propriedade estão preenchidos.

Não há que se falar, portanto, em equívoco do legislador na utilização do vocábulo licença, já que disse exatamente o que queria. O equívoco está em se pretender identificar na licença ambiental, regida pelos princípios informadores do Direito Ambiental, os mesmos traços que caracterizam a licença tradicional, modelada segundo o viés do Direto Administrativo. O parentesco próximo nem sempre induz que sejam gêmeas.

Características da Licença Ambiental

Pelo dito, podemos apontar alguns traços que distinguem a licença ambiental das licenças administrativas.

Uma primeira peculiaridade pode ser enxergada no desdobramento da licença ambiental em três espécies  de licença: Prévia, de instalação e de operação. Estas são destinadas a melhor destacar, monitorar, mitigar e, quando possível, conjurar o potencial danoso ambiental.

Uma segunda tem a ver com a exigência de alguma forma de avaliação prévia de impactos, que se consubstanciará num EIA/RIMA, sempre que a obra ou atividade a ser licenciada puder causar significativa degradação do ambiente.

Uma terceira, e talvez a mais importante, é que a licença ambiental não assegura ao seu titular a manutenção do status quo vigorante ao tempo de sua expedição, sujeita que se encontra a prazos de validade, obrigando à renovação com exigências supervenientes à vista do estado da técnica, cuja evolução é rapidíssima e da própria alteração das características ambientais de determinada época e de determinado local. É dizer, caracteriza-se por uma estabilidade temporal que não se confunde com a precariedade das autorizações, nem com a definitividade das licenças tradicionais.

Garante-se, numa palavra, no lapso temporal da licença, a inalterabilidade das regras impostas no momento da outorga, salvo,  é claro, se o interesse público recomendar o contrário, quando, então, em benefício da sociedade, poderá o ato ser revisto. Pense-se, por exemplo, em atividade que, a despeito da licenciada, esteja, por emissão de odores, a provocar incômodos aos vizinhos. Sustentar o contrário seria conferir ao empreendedor um cheque em branco, permitindo-lhe que, com base em licença pretérita, pudesse causar toda e qualquer degradação ambiental. Felizmente os tempos mudaram.


Eliel Matias da Rosa
Acadêmico do 5º Ano de Direito pela FDSM. É praticante e entusiasta do Direito Ambiental. Fundador do portal Tutela Ambiental.

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